A CAPES publicou ontem a mais nova instrução voltada aos programas de mestrado e doutorado a distância híbridos. É importante decodificar os recados políticos embutidos nesse novo texto, em um contexto de mudanças restritivas na EaD, que envolvem uma nova combinação entre ações presenciais, atividades assíncronas e ensino remoto — além de várias interrogações ainda sem resposta.

A nova redação, que altera a Instrução Normativa GAB nº 2, de 3 de dezembro de 2024, estabelece:

“Art. 3º É vedado:

I – o emprego de atividades remotas assíncronas para o cômputo de carga horária didática;

II – a oferta de disciplina de forma completamente remota;

III – o percurso formativo de forma completamente remota.

Parágrafo único. Entende-se por percurso formativo o conjunto estruturado de ações, atividades e processos avaliativos desenvolvidos ao longo do curso de mestrado ou doutorado.” (NR)

A questão central, portanto, não é apenas pedagógica ou técnica: trata-se também de um recado político, que se soma a outros instrumentos regulatórios publicados entre 2023 e 2025 no Brasil, todos apontando para o pensamento centralizador do Estado.

Como bem resume Anderson Correia (2025), em publicação no LinkedIn:

“A CAPES autoriza e regula mestrados e doutorados, avalia a qualidade dos programas de pós-graduação e distribui bolsas e recursos financeiros.” Link da publicação

Correia, pesquisador de renome internacional, reforça: “Não existe nada parecido em lugar nenhum do mundo. A CAPES é uma criação brasileira — para o bem ou para o mal.”

Enquanto outros países distribuem essas atribuições entre universidades, agências de fomento e órgãos independentes de acreditação, aqui a CAPES acumula todas essas funções. Atua fechada em si mesma, sem a participação de stakeholders da pós-graduação ou dos setores produtivos — mesmo diante do atraso científico brasileiro no cenário global.

Controvérsias acumuladas

A nova instrução apenas agrava os pontos já controversos da versão anterior (IN nº 2/2024). Entre os aspectos mais criticados por especialistas, pesquisadores e coordenadores de programas, destacam-se:

  1. A eliminação da flexibilidade/autonomia de horários e locais no processo formativo, ainda que ele seja definido como um “conjunto estruturado de ações, atividades e processos avaliativos”.
  2. A proibição de atividades remotas assíncronas para o cômputo de carga horária didática, mesmo aquelas com foco teórico-reflexivo ou autorreflexivo.
  3. A redução da possibilidade de pesquisa em rede (nacional e internacional), prejudicando a troca intelectual e o avanço científico — este talvez seja o maior revés da instrução.
  4. A criação de um modelo híbrido de EaD para o stricto sensu, sem respaldo técnico-científico consolidado, destoando ainda do conceito formal estabelecido pelo Decreto nº 12.456/2025, voltado à graduação, que trata da EaD como formato, e não como um modelo pedagógico específico.

A armadilha do “preferencialmente presencial”

O parágrafo único do Art. 5º da nova instrução ainda reforça:

“As avaliações de aprendizagem, os experimentos de laboratório, trabalhos de campo, vivências e oportunidades regulares de convivência e troca de experiências como cursos, palestras, atividades de extensão e seminários serão realizados preferencialmente de forma presencial.” (NR)

Na prática, esse “preferencialmente” soa como uma ressalva sutil, quase um “pulo do gato” regulatório para dificultar ou até mesmo inviabilizar a internacionalização e os programas em rede, priorizando o modelo tradicional e presencial.

Os riscos das interpretações nas ÁREAS

Para compreender os desdobramentos dessa nova Instrução, é preciso ficar atento às normas específicas dos Documentos de Área, que têm autonomia para incluir exigências adicionais e específicas. Podem surgir, por exemplo, determinações como:

  • “Garantir que pelo menos 30% da carga horária do percurso formativo seja presencial.”
  • “Incluir todos os componentes curriculares obrigatórios entre as atividades presenciais.”

As perguntas que não querem calar:

  • Isso alimentará a segregações no acesso à pós-graduação stricto sensu, em especial aos programas internacionais ou nacionais em rede?
  • Como essas novas exigências impactam quem já enfrenta barreiras territoriais, sociais, econômicas ou laborais?

E a pergunta talvez mais incômoda de todas:

  • Como essas imposições podem agravar o pensamento intramuros da pesquisa na CAPES?

Talvez a resposta esteja na percepção, a seguir, da comunidade não acadêmica:

“Ao limitar formatos flexíveis e reduzir a atuação em redes nacionais e internacionais, a CAPES pode estar retraindo o alcance da ciência brasileira. Em vez de abrir fronteiras e diversificar epistemologias, reafirma-se um modelo fechado, autorreferente e institucionalmente centralizado. Um circuito em que a CAPES regula, avalia, distribui e limita — sem escuta ampla aos pesquisadores, às universidades e à sociedade.”

Conclusão: a qualidade ofuscada pelo recado político?

A suposta preocupação com a qualidade vem embalada por recados políticos e restritivos, que limitam a inovação e distanciam ainda mais o Brasil de rankings internacionais de excelência científica. Enquanto o mundo flexibiliza e integra a ciência com tecnologia, colaboração e redes, a CAPES parece dobrar a aposta no modelo presencial e tradicional.

Por que não pensar em uma CAPES mais leve, estratégica e efetiva, como sugere Correia (2025)? Uma CAPES que:

  • Promova maior autonomia para as universidades
  • Permita avaliações independentes e transparentes
  • Dê mais protagonismo ao CNPq e às fundações estaduais
  • Atue como indutora de qualidade, e não como controladora de formato

O futuro da pós-graduação depende disso — e o Brasil, mais ainda.

Acesso à instrução normativa 02/24:

https://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=16843

Acesso à instrução normativa 03/25:

http://www.abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Instrucao-normativa-capes-003-2025-06-16.pdf